É sempre comum a imagem do empreendedor como aquele que vive correndo atrás do tempo, está sobrecarregado com inúmeras tarefas sem ter com quem dividir e ainda sofre com a cobrança da família que ressente sua ausência quando também não o acusa de algo semelhante a um fracassado.
Alguns e algumas ao desabafarem comigo a incompreensão ou os questionamentos da própria família me fazem lembrar a esposa de Jó diante da sua situação lastimosa. Em vez de confortá-lo e animá-lo, ela simplesmente diz: “Persistes ainda em tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre de uma vez!” (Jó 2, 9) Para alguns familiares, o melhor seria desistir e pegar o caminho mais conhecido e, supostamente, sabido.
Como interpretar o que família diz?
A solidão é algo que acompanha qualquer pessoa, muitos imaginam que ela aparece quando não há pessoas por perto, mas alguns poucos tomam consciência que há um tipo de solidão em que não falta companhia, mas empatia.
Empatia, trocada em miúdos, é a capacidade de colocar-se no lugar do outro, ver e sentir como o outro vê. Eu me pergunto até onde de fato conseguimos ser empáticos por completo. Há coisas que somente você poderá ver. Na maior boa vontade, os outros podem tentar ver e sentir, mas será sempre uma tentativa.
Por isso, esperar que sua família entenda todas as exigências, dificuldades e desacertos na sua jornada empreendedora pode colocar em risco seus objetivos. E quando falamos família, devemos olhar esse grande grupo em categorias menores e pesar de modo diferente sua fala, seus conselhos ou cobranças.
Seu esposo ou sua esposa
Na melhor das hipóteses seu cônjuge vai compreender, torcer por você e tentar ajudar em muitas situações; agora, entenda que certamente a paciência, a resiliência e a capacidade de ressignificar as derrotas da parte dele serão mais limitadas que em você. E por uma simples razão: por mais que outros nele façam parte, o sonho é somente seu.
Há coisas que somente você poderá entender. Deve haver um equilíbrio entre o que você espera e até onde o esposo ou a esposa conseguem acompanhar. Pense nisso nos momentos de diálogo entre vocês sobre os rumos do seu trabalho.
Os filhos
Talvez os filhos sejam o parâmetro mais angustiante para o empreendedor. Mesmo que eles não façam cobranças aos pais, os pais sempre têm o desejo de dar e garantir o melhor a seus filhos, temem que passem privações desnecessárias e não querem que eles fiquem para trás.
E caso venha deles a cobrança mais pesada, é importante tentar dialogar para entender se a cobrança parte deles ou ressoa neles. Se parte deles, é muito válido que sejam estimulados a compreender seu projeto e dele participar; se a cobrança ressoa neles apenas, aí, deve-se ponderar se é necessário ou não dialogar com quem semeia a cobrança.
Sogro, sogra, pai e mãe
Coloco todos no mesmo subgrupo porque neles temos dois extremos independente do papel: podem ser um grande apoio nas horas mais difíceis ou ser aqueles que “chamam para a realidade”, no caso, a realidade que eles conhecem e que já não conseguem dar garantia de que funcionaria novamente com você.
Conflitos nesse segundo caso são típicos: há uma diferença abissal sobre como se enxerga o mundo e como se pode vencer no mundo. Deixando de lado qualquer miséria humana ou de caráter que podem tornar seus dias difíceis ainda piores, não podemos esquecer que são sempre eles que terminam ajudando a carregar um pouco do fardo. Merecem ser ouvidos, mas nem sempre acatados. Porém, o risco e o preço são sempre seus.
Irmãos, cunhados e primos
Esse grupo poderia ser mais detalhado, mas não o faço por uma coisa muito simples: eles são importantes na sua vida certamente, mas o que você faz para viver e o modo como organiza sua vida é completamente diferente das outras pessoas. O que funciona para um não funciona para outro.
Como há uma grande chance de serem de uma idade semelhante à sua, eles podem ajudar muito a ampliar seu olhar dentro de uma perspectiva mais semelhante, mas, ao mesmo tempo, não enxergam as coisas como você. Podem ser uma fonte de boas ideias, mas deve ter sempre alguns cuidados: às vezes, oferecem um apoio ingênuo, pela camaradagem, às vezes, podem transferir para você alertas de perigos que apenas refletem a insegurança deles.
Já os diálogos de comparação que aparecem nos churrascos e reuniões familiares semelhantes, as “sacadas” que eles desejam passar para você e mesmo as provocações ao ironizarem seu projeto devem ser encarados como pauta de conversa de boteco. Se servir, beleza; se não servir, vida que segue. Assim como uma festa pode ser uma pausa no ritmo do dia a dia, essas conversas devem ser simplesmente uma pausa, mas não mudança de rota.
A família tem um papel importantíssimo na jornada do empreendedor, mas é essencial que você saiba escutar, o que escutar e como escutar. Voltando a Jó, como o mencionei no começo, esposa e mesmo amigos queriam ajudar, mas não eram capazes de estar na pele de Jó. Tentaram ser empáticos, mas havia muito mais em Jó do que eles conseguiam entender.
Queridos irmão e irmã empreendedores, nessas horas de angústia, solidão e incertezas recorram sempre à oração. Nela percebemos que estamos acompanhados daquele que tudo vê, sabe e governa. Deus o abençoe, lhe dê perseverança e sabedoria.
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